The Shadow Hunter

The Shadow Hunter
Keep it Simple

terça-feira, 24 de abril de 2012

O abismo entre a sede e o copo d’água


“O paciente está laranja!”

Paciente – Eu estava jogando golfe e senti meu pescoço travar. Quer dizer: doeu um pouco, mas eu continuei jogando. Na manhã seguinte eu mal conseguia levantar.
Dr. House – Bem, você está sorrindo, então eu presumo que significa não ser coisa séria.
House retira do bolso um tubinho de medicação e toma um comprimido.
Paciente – O que é isso? O que está fazendo?
Dr. House – Analgésicos.
Paciente – Ah! ... para a sua perna.
Dr. House – Não, é porque são saborosos...! Quer um? Vai lhe fazer sentir as costas melhorarem.
                House entraga um comprimido ao paciente, que o ingere de imediato.
Dr. House – Infelizmente, você tem um problema mais profundo: “Sua esposa está lhe traindo”.
Paciente – O quê!?  
Dr. House – Você está “laranja”, seu imbecil! Isso é uma coisa para que você note, mas se sua esposa não captou o fato de que seu marido mudou de cor, ela simplesmente não está prestando atenção!
(...)
A propósito: você consome apenas uma dose ridícula de cenouras e polivitamínicos. As cenouras deixam você amarelo. A niacina, vermelho. Pegue umas pinturas a dedo e faça as contas. 
... e contrate um bom advogado.

(House MD (2004) – S01E01 – Episódio Piloto)

                A falta de atenção ao outro não só acaba com casamentos, mas destrói economias e desencadeia guerras sangrentas. Para que prestar atenção? Ora, a forma mais profunda de agredir alguém é tratar esta pessoa como se ela não existisse! Com esta conduta não se está simplesmente comunicando à outra pessoa o quanto ela não tem valor, está se demonstrando isso de forma evidente e contundente a ela. Em um ambiente em que nenhuma pessoa presta atenção à outra, as pessoas estão sempre preocupadas em conseguir o que querem. Parodiando os próprios personagens de David Shore:

Dr. House - “Bem, como o filósofo Mick Jagger disse: "Você nem sempre consegue o que quer(...)".

Dra. Lisa Cuddy – “(...) mas se você tentar, às vezes, você simplesmente descobre que pode conseguir o que precisa”.

                Certo camarada bem importante do mundo do Marketing costuma escrever em seus livros acadêmicos que há uma diferença muito bem definida entre “Necessidade” e “Desejo”. Em sua explicação ele define o primeiro termo como sendo primário, basicamente um “vazio” que precisa ser preenchido, mas que não tem forma a priori. O segundo termo seria aquilo que “possui uma forma que pode se encaixar” e preencher este “vazio”. Os colegas do Marketing trabalham para criar “desejos”.  As “necessidades” já existem nas pessoas naturalmente.
                Nestes termos tudo soa muito óbvio. Uma pessoa sente sede. Qualquer líquido hidratante pode suprir esta necessidade. Se o ser humano fosse uma máquina e só precisasse de uma coisa de cada vez, “água” seria o objeto mais apropriado a oferecer. A sede é a necessidade. A pessoa desejaria água pura, simplesmente. Porém existe aquela pergunta prática: “Por que não matar a sede com refrigerante, água de côco, sucos de fruta etc.?
                A confusão começa neste ponto. O fato é: apenas água hidrata. Quer dizer que refrigerante “não mata a sede”? Claro que “mata”! Há água no refrigerante! Quem o bebe estará sempre de alguma forma se hidratando. Deixem-se de lado as questões de preferências e saúde. Quem quiser substitua refrigerante por água de côco, chá, isotônicos etc. O exemplo continua valendo. Qual é a necessidade especificamente? Seria a água? De forma alguma! A resposta apropriada seria “somente permanecer hidratado”.
Este é o exemplo mais simples possível e já tem enorme potencial de causar confusão. Imagine se as necessidades forem mais de uma ao mesmo tempo. Imagine se muitas delas forem abstratas como “aceitação social”, “autorrealização”, “autoconfiança”, “expressão pessoal” etc... Sim, coisa realmente começa a ficar complexa no mundo real.
No dia a dia, as pessoas sentem suas respectivas necessidades e são estimuladas por diversos tipos de objetos de desejo. Cada um destes oferece quase sempre o atendimento de mais de uma dessas ao mesmo tempo. Basta pensar que a “água gelada” num dia de calor é mais desejada em média que a “água à temperatura ambiente”. Uma coisa é se hidratar, outra é se “refrescar” – ou “sentir-se reconfortado pelo frescor”. Identificar as próprias necessidades claramente é muito difícil e já requer muita prática. Classificá-las e decidir quais delas são as prioritárias é ainda pior, pois elas mudam conforme o contexto em que se está.
Não há como influir sobre o que se necessita. Só há escolha quanto ao que se deseja, quanto ao que se “quer”. Porém, se não há uma identificação precisa das necessidades, das prioridades entre elas, acaba se reagindo ao estímulo dos objetos de desejo inadvertidamente. Na prática, é como “sair para comprar pão e voltar para casa com um bilhete de loteria”. Diz-se muito por aí que “é um problema quando uma pessoa não sabe o que quer”. Talvez esta crítica esteja mal formulada. Quem sabe o problema mesmo não seja “a pessoa não ter claro para si mesma o que precisa”?
Querer é simples. Basta andar em um Shopping Center. Basta assistir comerciais de TV. Basta andar nas ruas, ver pessoas, imagens, estímulos etc. Entretanto, o que é prioritário? O que é mais importante? O que será importante em breve e em nem tão breve?
                As ações de marketing relativas principalmente à “promoção” estimulam os consumidores a acreditar que estão levando mais satisfação de necessidades por menos “preço”. Os colegas da área gostam de chamar isto de “percepção de valor”. Quem gosta e trabalha com vendas muitas vezes se mostra fiel a ideia de que todos precisam de tudo em algum momento, bastando para isso se manter próximo para oferecer o “produto certo”, no local, momento e preço adequados. Essa maneira de pensar é ótima para quem vende, mas se tomada ao extremo pode haver um efeito negativo à longo prazo para quem compra.
                Não é simples perceber, compreender, classificar e priorizar as próprias necessidades. Se fosse simples, não haveria coisas como “dilemas éticos”, “disputas de egos”, talvez nem mesmo “corações partidos” ou até a palavra “amor”. É possível ir longe mesmo com essas ideias. Uma pessoa precisa amadurecer para lidar bem com a variação e instabilidade de suas próprias necessidades. Esse amadurecimento se dá como qualquer processo de aprendizado: depende de desafios, ambiência, intenção e prática, muita prática!
                O profissional de Marketing não tem como e não vai se preocupar jamais com como seu possível cliente gere as próprias necessidades. Na realidade, se puder, ele mesmo vai determinar o que é prioritário para você! Nesse momento é que a ação promocional desta área pode executar uma conduta imoral. Basta imaginar o conto do “João e o pé de feijão”: o menino sai de casa para vender uma vaca e comprar mantimentos, mas volta com três feijões mágicos. No conto de fadas os feijões são mágicos e a estória termina com prosperidade e ovos de ouro. Na vida real, isso se chama “fraude”. Se trocar sua vaca por três feiões verdes, sua família morre de fome.
                Este exemplo é extremo demais. Não é preciso haver ma fé objetivamente para que o problema se dê. Suponha-se que uma mulher solteira, com seus 32 anos, bem sucedida e bonita caminha em um Shopping Center – mais uma vez – pretendendo comprar um vestido para usar em um casamento. Ela entra diretamente na loja e, para simplificar a explicação, começa a analisar o acervo até ser abordada pela vendedora:
Vendedora - Bom dia, posso ajudar?
Consumidora - Sim, gostei desse. Vou experimentar.
Após vestir-se, a vendedora aborda novamente:
Vendedora - A senhora tem muito bom gosto. Este vestido lhe caiu perfeitamente. É para alguma ocasião especial?
Consumidora - Sim. Vou ao casamento de uma amiga.
Vendedora - Que ótimo! Acredito que a senhora acharia estes sapatos e este colar perfeitos para combinar com o vestido. Eles compõem nossa nova coleção. A senhora não acha linda esta combinação? Este ano nossos estilistas arrasaram.
Consumidora - Sim. Realmente o conjunto é lindo.
Vendedora - Se a senhora desejar levar todo o conjunto, podemos oferecer condições especiais de pagamento parcelado.
Consumidora - Quanto custa o conjunto e quais são as condições de pagamento?
                A história termina como qualquer outra normal. A mulher compra vestido, sapatos e colar, embora só tenha saído para comprar um vestido. Ela agora tem mais um par de sapatos e mais um colar. Não há problema algum em ter a coleção completa. Certamente isso atende a um conjunto de necessidades ligadas a aceitação social, autoconfiança etc., mas será que dentro de um orçamento restrito essas são de fato as prioridades dela? Será que o dinheiro a mais alocado nas peças além do vestido não deixou de sê-lo em algo que ela poderia considerar mais importante?
                Neste momento é que entra o famoso “não saber o que se quer”. Isso sempre será difícil para qualquer um. No mundo dos negócios, quem não sabe o que deseja “é ajudado a tomar uma decisão que é boa para si mesmo”. Muitos entendem esta frase coma a mais pura definição de “venda”. O que difere isso de manipulação?
                Para que isto não ocorra, quem vende poderia antes ajudar a pessoa a entender o que “necessita”, antes de lhe apresentar um objeto de desejo. Os profissionais vendedores dirão que “assim se vende menos e se lucra menos”. Eles têm toda razão em seu ponto de vista prático, determinista. É realmente fato que a vendedora poderia ter deixado de vender um colar e um par de sapatos, gerando menos resultado. Entretanto, a mulher que comprou o conjunto pode vir a se ver privada de satisfazer uma necessidade mais prioritária em breve, lembrando-se que poderia ter aberto mão dos itens para os quais tinha alternativas menos onerosas. Caso a compradora ligue sua frustração futura à capacidade de influência da vendedora, poderá ficar chateada e não voltar mais à loja. Porém, até isto é muito improvável! O que acontece na maioria das vezes é a própria consumidora se autocriticar e continuar vivendo a mesma situação periodicamente.
                No ponto de vista da loja e do crescimento o negócio, não há argumento contra. É possível provar matematicamente isto. Manipular o cliente até certo ponto dá lucro e não influi significativamente em perda de participação de mercado. Entretanto, a crítica cabe em outro nível: “O da sociedade como um todo”. Se todos os vendedores de todos os negócios possíveis se preocuparem em ajudar os clientes a compreender e classificar suas respectivas necessidades, estes vão ser mais precisos no uso de seus recursos para obter exatamente aquilo que precisam. Isto significa que todos indistintamente ficarão mais satisfeitos, lembrando que quem vende também é comprador.
                É absolutamente impraticável este comportamento ser executado espontaneamente por um negócio que se executa em um mercado competitivo. A forma mais adequada seria uma regulamentação apropriada das práticas de negócio pelo próprio governo. Porém, isto seria também deveras complexo. Não haveria leis que resolvessem ou mesmo que pudessem ser fiscalizadas diretamente em seus cumprimentos para garantir que o comprador não seja manipulado. A proposta então a dar seria outra. Uma que sempre ganha adeptos no Brasil: investir em educação. Não significa alocar verbas simplesmente. O objetivo a alcançar seria prover o “consumidor” de competências individuais que lhe permitissem contraconduzir a manipulação que lhe fosse tentada. Significa instruir o consumidor a questionar e, melhor ainda, a “se” questionar.
Em um ambiente mercadológico no qual todos que consomem são conscientes no nível idealizado aqui, os próprios negócios serão obrigados a mudar a forma como se dão. A mulher solteira de trinta e dois anos começaria perguntando à vendedora “por que eu preciso desse sapato?”, “ajudando-a a ajudar” sua cliente, não a realizar uma venda simplesmente. Quem sabe também, um homem de negócios com a pele cor de laranja não precisasse ir ao médico para ser informado de que sua esposa estaria lhe traindo. 



sexta-feira, 20 de abril de 2012

Aventureiro adora contar história...


"O Caminho Não Percorrido"

"Dois caminhos divergiam num bosque amarelo

Triste por não poder seguir os dois
E por ser apenas um viajante, segui

Um deles o mais longe que pude com o olhar,
Até o ponto onde ele se perde no mato.

Tomei o outro, que me pareceu mais belo,
Oferecendo talvez a vantagem
De uma relva que se podia pisar,
Embora o estado de ambos fosse o mesmo
E naquela manhã eles fossem iguais

Ambos estavam sob relvas que nenhum passo
Enegrecera. Oh, deixei
Para outra vez o primeiro!

Mas como sabia que ao caminho se juntam

Os caminhos, duvidei que um dia voltasse.


Hei de contar isso suspirando,
Daqui a muito tempo, nalgum lugar:
Dois caminhos divergiam num bosque, e eu
Segui o menos trilhado,

E foi o que fez toda a diferença."


Na vida, não temos como saber qual o melhor caminho a seguir a priori. Nossas decisões em sua maioria podem bem não passar de palpites aleatórios e infundados. Que mania que a gente tem de se auto-enaltecer...!? 
      
Gosto desse poema, mas acho importante considerar que na realidade não importa aonde é que vai dar cada caminho, mas o espírito aventureiro para aproveitar a "exploração" enquanto se tenta seguir rumo ao azimute. 

Que mal há em querer contar "que escolhemos o caminho menos trilhado", como se fossemos herois, depois que vivemos muitas aventuras. Quero mais é que meus futuros netos me escutem com os olhos brilhando e se inspirem em minha vontade de viver! 

    

quarta-feira, 18 de abril de 2012

May be I live it all

Let's be come'n getters
Unbinding all matters
for our child's sheltters
to future weathers

Since that last bell chime
Fortune runs it's dimes
going forth in lines
so as in meantime...

you come set me free,
go to leave me be,
or strive to claim me!

By the terms of now
When hearts seem to crawl
To "may be" I "live" all.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Sobre Mitos e Espiritualidade


                Eu aprecio utilizar mitos, símbolos, ou arquétipos, para quem entende disso, como uma tentativa de dar formas a coisas que só poderiam ser percebidas a posteriori. A concepção de um “demiurgo”, criador do tudo e do nada não é um pensamento absoluto. Há culturas que sequer conceberam uma ideia a priori de um mundo transcendental. Esse lado ocidental greco-romano-monoteísta tem muito costume de achar que o universo a nossa volta se repete indefinidamente, como se todos pensassem e vissem o tudo da mesma forma. Não lembro muito bem, mas acho que isso tem até um nome conhecido como Etnocentrismo. Li em um livro de um filósofo e sinólogo francês o termo “clivagem” sendo usado para definir um efeito de “gravar alguma coisa no sistema ideológico de uma cultura inteira, de forma que não se possa escapar”.
Falo, então, sobre “Fé”: A ideia dessa coisa se fundamenta numa não comprovação, numa incerteza. Usando termos de nossa cultura geral brazuca ocidental, o que dizer de um homem que hipoteticamente “tivesse visto Deus”? Será que ele poderia ter fé? Não seria mais coerente dizer que ele teria certeza? Arrisco dizer que pensar, perceber, organizar as ideias, intuir, inferir sobre isso pode levar a um lugar muito estranho.
Penso no “Rótulo” de Ateu: Em que de fato não se acredita para se poder ser identificado como um? Muitos devem cair na armadilha de responder que “Ateus são aqueles não têm fé em qualquer Deus”. Pergunto então, mas e o rapaz ali que “viu Deus”? Ele necessariamente não teria de ser Ateu? Afinal, ele não pode ter fé, pois a “certeza” tomou o lugar desta. Por que um milagre deve contrariar as leis naturais, se estas condicionam nossa própria existência? Por que se assume que para quem faz uma prece haverá uma intervenção divina que fará com que um evento improvável e para ele vantajoso aconteça?
Uma vez conversei com um seminarista da igreja católica, em uma espécie de curso que se oferece para as pessoas que virão a ser padrinhos e madrinhas de crianças. Ele contou uma passagem da Bíblia sobre uma pregação de Cristo sobre uma arvore que não dava frutos nos tempos de estiagem. Segundo o seminarista, o próprio mito personificado dizia que a árvore deveria produzir frutos em quaisquer condições, senão perderia sua razão de ser. O fim da passagem se dá com a árvore secando em três dias após a pregação. O texto em si é neutro, mas a inferência do seminarista foi de que “o próprio cristo fez a árvore secar”!
Ele disse isso a um grupo de pessoas que em sua maioria daria fé ao que ele disse. Achei um absurdo, uma incoerência, um desserviço, uma grande besteira! Ao final, em particular, fui até ele questioná-lo: “Você realmente acha coerente que uma divindade interviria no curso dos acontecimentos somente para provar um ponto”? “Você percebeu que você acabou de dizer a estas pessoas que o próprio Jesus Cristo decidiu usar seus milagres para matar uma árvore?” “Honestamente, se eu estivesse do lado desse senhor que você coloca tanta fé e ele fizesse isso na minha frente, eu diria a ele que por mais que ele fosse real ali, ele não mereceria a minha fé.” “Esse Cristo que você pregou para estas pessoas não merece existir”. “Acho sinceramente que ele somente estava ciente de que a árvore secaria de qualquer forma, lendo os sinais desta”. “Ele queria apenas transmitir algum valor aos seus discípulos, utilizando a própria realidade como ilustração.”
Então não houve milagre? Eu diria não e sim. 1) Não, pois não houve intervenção que provocasse mudanças de formas sobrenaturais. 2) Sim, pois o próprio processo de transformação evidente que se dá com tudo a nossa volta poderia ser chamado de milagre.
Se você fosse onipotente, onisciente e onipresente, parando para pensar um pouco, você veria todos os cursos possíveis da realidade em todos os tempos. Você não precisaria intervir mais do que uma vez para criar todo um processo de realidade. De fato, não seria uma intervenção. Seria apenas o próprio ato de criação. A criatura viverá por si só depois disso. “Mas então Deus nos abandonou?” Perguntariam os crentes. Eu perguntaria de volta: “o que você espera do seu Deus?”.
Nós nascemos gritando, berrando com a dor lancinante de pulmões descolando e enchendo de ar, um frio absurdo e um incômodo terrível com uma luz extremamente brilhante. Nosso choro incomoda e mobiliza um bando de gente. Esse recurso serve para trazer coisas que sentimos desejo. Fome? Choro e vem peito. Frio? Choro, vem roupa e colo. Por aí vai. Porém, de uma hora para outra, o choro passa a não funcionar, mas a gente sempre tem o instinto de querer continuar o usando.
Em minha opinião, os verdadeiros Ateus são os que oram como bebês que sentem falta da mamadeira; são os que oram pedindo a um mito para que lhes realize um desejo próprio. Minha posição aqui é tão ferrenha que estou contra até mesmo àqueles que têm justificativa moral, como por exemplo, uma mãe que roga para que seu filho não morra de uma doença grave. Por mais duro que eu possa parecer aqui, o que estou dizendo é que aquele é o desejo só da mãe naquela prece. Para que servem as orações, então, se eu digo que não se pode rezar por um desejo próprio, mesmo um altamente justificável?
Agora farei o uso de mitos para explicar o que penso! Acredito que há uma coisa divina de fato em cada ser humano. É algo real, simples e evidente. O que vou dizer, se quem estiver lendo achar coerente, estará praticamente se colocando na posição de “ter visto Deus” e por isso não poder ter fé, apenas certeza. A parte divina do ser humano seria a “capacidade de pensar sobre si mesmo, ou sobre o próprio pensamento.” Em outras palavras, é a capacidade de estar consciente de si mesmo. A prece, então, como rito de valor real, em minha opinião, deveria ser feita apenas para se assumir a atitude coerente perante os próprios desejos. Ela cumpriria o papel de fazer com que as emoções e pensamentos se encadeassem. Ela proporia a forma de seus mitos ao conteúdo disperso daquilo que chamamos de “nossa alma humana”. Em outras palavras, a prece nos colocaria em posição de pensar sobre quem somos perante uma situação, sobre nossos desejos e sobre o papel que precisamos assumir perante estes.
Minha posição, para os entendidos, deve estar caindo numa coisa estoica. Minhas palavras não pretendem provar nada. Sei bem que este tema é polêmico demais para debates profundos. Sempre ouço se dizer que o ser humano necessita acreditar em alguma coisa. Que acredite então! Mitos, no sentido divino da coisa, são essencialmente imortais. Entretanto, assim como que pela mente e cultura humanas são criados, serão da mesma forma esquecidos. Se eles são sujeitos, com consciência, como nós, esse certamente será sempre um temor para eles.
Eu particularmente não tenho fé em nenhum. Eu apenas os imagino, os comunico, os uso como partes da minha própria consciência. Sendo parte de mim, parte do que estou consciente, eles necessariamente são reais para mim. Anjos, Deuses, magia e milagres existem de fato, mas apenas em meu coração e em minha mente. Eles são apenas aquilo que dá forma a meu espírito. 

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Dez bolinhas contra a Navalha de Occam


                Há alguns anos atrás um irmão de clã me falou sobre certo problema de lógica. O contexto em que foi colocado era interessante. Estávamos praticando artes marciais. O estudo específico era justamente o de se identificar variáveis e inferir sob um contexto de poucos recursos de medição. Como se fazer uma sondagem de forma completa, definindo com segurança absoluta a decisão mais apropriada? Como gerir riscos com eficácia?
                A própria ciência possui métodos comprovados para lidar com estes tipos de situação. Eu soube de um que explicava claramente a forma intuitiva com que eu acabei resolvendo o problema proposto por meu irmão, através uma série famosa de TV. Muitos que leem esta postagem conhecem e gostam muito de “House MD”. O episódio específico a que me refiro é o terceiro da primeira temporada. Chama-se “A navalha de Occam”.  
                O que é a essa tal de “Navalha de Occam” (ou de Ockham)? Minha curiosidade na época me levou ao Google, onde acabei descobrindo que este é o nome dado a um princípio lógico atribuído ao um frade franciscano inglês chamado William de Ockham (lá no século XIV). Este princípio também é conhecido como “Lei da Parcimônia” ou “Lex Parcimoniae”. Para os que gostam de preciosismo latino: “entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem”. (Soa bonito, né?) A tradução da Wikipedia vai lhe dar a frase: “se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenômeno, a mais simples é a melhor". Nas minhas palavras eu diria que as variáveis de um problema não devem ser nada além daquelas implicadas na própria situação específica.
                Vamos ao problema das dez bolinhas. Imagine uma balança de libra. Eu lhe dou dez bolinhas idênticas a olho nu. Digo a você que uma delas possui massa diferente das demais. Pode ser mais leve, ou mais pesada. Não é possível identificar com as mãos. Provavelmente algum espertinho começou a pensar isso! Você somente poderá usar a balança para três pesagens. Nenhuma a mais! Como você provaria que é possível descobrir, com certeza absoluta, qual é a bolinha diferente e, se ela é mais leve ou mais pesada? Eu sugiro que você se divirta tentando resolver antes de ler minha explicação. Não é nada de nível “Einstein”. Mas se você só quer saber onde isso vai dar, esteja à vontade.
                Ao contrário de colocar cinco bolinhas de cada lado, gastar uma pesagem e se sentir um gênio, você deveria considerar qual a probabilidade de, ao escolher uma bolinha aleatoriamente do conjunto completo, você acertar justo na diferente. Não se sinta mal se você pensou logo em colocar essas cinco bolas de cada lado. É assim que se começa! Como diria o Thomas Edison: “começando por como não fazer”.
                Você teria uma chance em dez de acertar, caso decidisse escolher uma bolinha aleatoriamente. Isso é o máximo improvável que a situação apresenta. A única certeza que você tem é de que há certamente uma bolinha diferente. A palavra “certeza” é importantíssima, por isso destaquei esta evidência. Você primeiro pensa em dividir o conjunto em dois grupos de cinco, pois está estimulado pela pergunta. Ela acaba te conduzindo “a se testar”: “Será que eu entendi mesmo a situação e o que preciso fazer?”. Por isso, se você “gastar” a primeira pesagem com cinco bolinhas de cada lado, você apenas provará que realmente há entre as dez bolinhas uma de massa diferente. Você não sabia disso de antemão?
                Onde a navalha do frade corta nisso? Se das dez, você decidisse escolher duas aleatoriamente, haveria 20% de chance de a bolinha diferente estar entre estas, certo? Levando em conta este percentual, é evidente que você provavelmente errou ao “chutar”. Se colocar duas bolinhas de cada lado, suas chances sobem para 40%, mas ainda assim você provavelmente errou. A dica é: “como chutar, em condições mínimas para provavelmente acertar?”. Simples, continue com a lógica: “da última vez foram duas bolas de cada lado, então, se você colocar três em cada prato da balança, seu novo número será 60% de chance de que a bola diferente esteja em um dos pratos da primeira pesagem!”. Isso significa que, a partir daí, você provavelmente acertou. Segundo o princípio da parcimônia, você só deve trabalhar com o mínimo necessário de variáveis sobre determinada situação. Sua primeira pesagem deverá ser com três bolinhas em cada prato, deixando outras quatro à parte.
                A pergunta que pode começar a vir é: “Por que não colocar quatro bolinhas de cada lado e mandar o frade William de Occam rezar um terço?”.  A resposta é simples: “porque você tem mais certeza do que necessita testar, logo está desperdiçando medições para coisas que já poderia saber de antemão”. Como assim? É bem provável mesmo que a bola diferente esteja provavelmente entre as oito que estão no prato. São 80% de chance. O problema é que depois de descobrir isso, você só terá duas pesagens e terá eliminado apenas duas bolas. Seu próximo número será seis novamente de qualquer forma. Isso resulta em eliminar quatro bolas com duas pesagens ao invés de uma apenas. Como assim, “eliminar bolas”? Vamos seguir e ficará claro.
Sigamos a “Navalha de Occam” e nossa amostra de seis bolinhas. Agora você pode começar pensar sobre como utilizar a balança. Seu primeiro trabalho será adicionar estas seis bolinhas que separou sobre ela. Elas ficarão dispostas três de cada lado da ferramenta. Neste momento é importante que você visualize o cenário, pouco antes de fazer a primeira experiência de pesagem. Você tem dois grupos de três bolas a ser usadas de imediato e um grupo de quatro bolas deixadas à parte por enquanto. Como em todo o problema de lógica, vou estabelecer nomes para os grupos e lados da balança. O grupo 1 é composto pelas primeiras três bolas, que serão colocadas no prato esquerdo da balança, grupo (1,2,3). O grupo 2 pelas próximas bolas (4,5,6), a serem colocadas no prato direito da balança. Vou dividir as quatro últimas bolas em dois conjuntos: um, composto pelas bolas (7, 8, 9); outro com apenas a bolinha 10. Vamos a primeira pesagem:
O que pode acontecer? A balança pode equilibrar, ou desequilibrar. É incerto, mas mais provável que desequilibre por 60% de chance. Supondo que aconteça o mais provável, você acabaria de eliminar as bolinhas 7, 8, 9 e 10. Estas certamente têm massas idênticas. Sua bola diferente entre uma das seis na balança. O quê fazer agora?
Você ainda têm duas pesagens e agora tem certeza sobre as bolas de 7 a 10. Visualize a balança? Suponha que o lado esquerdo esteja alto e o direto baixo. O grupo (1,2,3) está mais leve que o grupo (4,5,6) , certo? Mas você não sabe se a bola diferente é mais leve ou mais pesada. Como usar a segunda pesagem para descobrir tanto em qual desses dois grupos está a bola diferente, quanto se ela é mais leve ou mais pesada? Responder a estas perguntas é objetivo da segunda pesagem.
A dica é: “use uma certeza”. Pegue emprestado o grupo (7,8,9) , que você já tem certeza que tem massas iguais e substitua por qualquer um dos dois grupos na balança. Vou tomar como exemplo sempre prato direito, para facilitar a visualização. Lembrando que ele está mais baixo desde a primeira pesagem, ao substituir as bolinhas ali duas coisas podem acontecer como efeito dessa segunda pesagem: “ou a balança permanece desequilibrada; ou ela se equilibra”. Em ambas as possibilidades você já atinge seu objetivo nessa pesagem.
Caso a balança se mantenha desequilibrada, as bolinhas (4,5,6) têm a mesma massa das (7,8,9). Logo, a bolinha diferente está entre 1, 2 ou 3. Além disso, lembre-se que o prato esquerdo está mais alto. Isso determina definitivamente que a bolinha é mais leve.
Caso a balança se equilibre, as bolinhas (1,2,3) e as (7,8,9) têm massas iguais. Logo, é exatamente este grupo (4,5,6) que possuirá a bolinha de peso diferente. Como você sabe de antemão que o prato direito estava mais baixo, é evidente que a bolinha diferente entre estas três seria mais pesada.
Agora você tem três bolinhas nas mãos, dentre as quais uma diferente, sobre a qual já descobriu se é mais leve ou mais pesada. Você possui apenas uma pesagem agora. O que fazer? Primeiro as perguntas certas. Qual destas três bolinhas é a diferente? Como usar a balança para descobrir?
Você não vai colocar as três ao mesmo tempo no aparelho. Isso é evidente. Se só pode colocar duas das três, faça-o com desapego, enquanto segura a bola restante na mão. O que pode acontecer? Desequilibrar, ou equilibrar, certo?
Se desequilibrar, a bolinha que você já descobriu ser mais leve ou mais pesada estará no prato da balança, ou o que subir, ou o que descer respectivamente. Se equilibrar, ela estará na sua mão. Você resolveu o problema, mas ainda não saia na rua pelado gritando “eureca”! Você será preso por atentado ao pudor.
Ainda falta ponderar para o caso de na primeira pesagem os grupos (1,2,3) e (4,5,6) se equilibrarem. Ou seja, e se acontecer o menos provável? Ou, simbolicamente, e se eu der azar? Se você olhar de perto, verá que não deu azar nenhum? Você eliminou seis bolas, ao invés de quatro apenas. Basta pegar o grupo (7,8,9) e fazer a substituição conforme o plano de segunda pesagem. A bolinha diferente tem 75% de chance (3/4) de estar no grupo (7,8,9) nessa pesagem. O que pode acontecer?
E se desequilibrar? – o mais provável:
 Nesse caso, a bolinha estará no grupo (7,8,9). Se o prato em que você colocou este grupo subir, a bola diferente é mais leve. Caso contrário, se descer, ela é mais pesada. Agora você caiu novamente na situação de ter uma pesagem e três bolinhas, já sabendo sobre a massa dela em relação às demais. Basta repetir o processo e alcançar a solução. “Posso sair pelado gritando “eureca”?” NÃO! Já disse que vão te prender.
E se Equilibrar – a possibilidade menos provável de todas desse problema:
Não se aflija. Isso significa que você praticamente deu a mesma sorte que se escolhesse a bolinha entre as dez aleatoriamente e acertasse. Como? Se (1,2,3) equilibra com (4,5,6) e, depois de trocar um destes grupos com (7,8,9), equilibrou novamente, a bolinha diferente é definitivamente a que sobrou. Além disso, você ainda tem uma pesagem. O que fazer para descobrir se mais leve ou mais pesada? É bem simples. Basta pegar uma das outras 9 e colocar na balança para fazer a última pesagem entre ela e a sua. Se o prato da bola diferente subir, ela é mais leve. Se descer, é mais pesada. Pode sair na rua gritando “eureca!”, mas vista uma roupa antes pelo menos.
Qual o interesse de postar esse problema tresloucado? Acho que muitas vezes nos deparamos com situações em que temos de fazer análises das condicionantes de uma situação, temos poucos recursos para medir ou calcular e somos obrigados a decidir de forma imprescindível e inadiável. Essa lei da parcimônia sempre esteve por aí. Esse problema na realidade não passa de uma ilustração sobre como conduzir as coisas. Por que um frade franciscano se ocupou disso com tanto esmero? Será que era por que ele não tinha mais o que fazer? Duvido!
Cesar Marco Aurélio, um grande estoico, não falava de “Prudentia” como uma de suas virtudes cardinais? Os monges chineses não transmitem o princípio da simplicidade através da vivência prática? O Bushido da cultura japonesa não possui o “coração no caminho do meio” entre suas sete virtudes? A diferença destes últimos para o frade é basicamente o tipo de vida que estes levaram em relação àquele. Enquanto o frade era um religioso e estudioso, os outros vivenciavam longos períodos de guerra, morte e caos na prática. Entretanto, será que um frade não está preocupado com guerra, morte e caos na vida das pessoas? Será que esse caos não poderia estar dentro de cada um e acabar por vir causando o que está fora, apenas por uma devida falta de parcimônia?

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Minha visão inocente sobre um legado...


                 Uma vez andando pela rua perto do metrô de botafogo, eu vinha de cabeça baixa, pensativo e até meio melancólico. Eu presto muita atenção às pessoas na rua. Aprendi em algum momento que isso consegue me acalmar, me colocar em um mundo à parte e, com isso, me ajudar a lidar melhor com meus problemas mais internos. Não me lembro de sobre o que pensava, por que estava com o humor que estava, ou sequer o contexto da minha vida naquele momento. Mas eu me lembro de um criança de pouco mais de um aninho, chorando aos berros, sendo carregada no colo da mãe.
                Eu andava justo atrás das duas na rua. O rosto da criança estava virado para trás, justo em frente a mim.  Eu me lembro de olhar para ela, de achar ela a coisa mais linda, mais fofa e de dizer isso para ela com os olhos. Ela começou a me notar ainda chorosa e desatenta por alguns mínimos instantes, depois focou sua atenção, parou de chorar e, após me encarar brevemente, esboçou um sorriso sonolento, deitou a cabeça no ombro da mãe e ambas desceram as escadas para o metrô.
                Um momento singelo em minha vida, mas que me lembro com carinho, pois me fez ganhar o dia. O que será que eu fiz que acalmasse aquela criança? Será que fiz alguma coisa demais? Até hoje não sei responder a estas perguntas objetivamente. Só posso dizer que por um acaso, naquele momento, eu estava consciente do que eu queria, de quem eu queria ser para aquela situação e da finalidade que eu queria alcançar com minha tênue interação com a bebezinha. Será que eu exerci alguma influência de fato? Acho que não importa muito essa pergunta.
                Se algum dia eu vier a me casar e estiver pronto para ser pai, gostaria de ter duas crianças ao mesmo tempo. Não digo gêmeos, embora não rejeite a ideia, mas um gerado pela minha esposa, outro adotado no mesmo dia do nascimento do um. Fantasio em como seria gratificante criá-los juntos, em como eu poderia contribuir com eles e deixar um legado valoroso para o futuro. Sou branco e visualmente tipo caucasiano, embora carregue em meu sangue tanto índios, quanto negros legítimos. Se minha esposa não for pelo menos mulata, meu filho biológico será certamente de pele clara. Isso me faz ter uma ideia gostosa de fantasiar: adotar um filho de pele cor negra para compor uma dupla linda!
                Viver o momento de ser surpreendido pela esposa lhe dizendo que está grávida deve ser uma das lindas emoções que se pode ter. Claro, sendo dado que o casal esteja preparado e desejando a gestação. Se eu puder escolher, eu pedirei àquela que eventualmente venha a ser minha esposa, que não me avise quando decidir que quer engravidar, claro que a partir do momento em que eu disser que estou pronto e desejando ser pai. Deve haver aquele acordo mútuo afinal. Eu pedirei a ela que me surpreenda com alguma coisa sutil, como sapatinhos de bebê nos dedos ao acordar de manhã, um pedido sutil para que eu deite minha cabeça sobre sua barriga, qualquer coisa criativa que me faça chorar como um bebê!      
                Se eu tiver a honra de um dia ter este tipo de emoção, vou me sentir em débito com o indiferenciado, com a natureza, com Deus, com a humanidade, com tudo. Para quem eu posso fazer um bem tão grande quanto eu recebi ali, que já não seja objeto de meu compromisso original? Eis minha emoção em dobro em adotar o segundo filho, para ser criado em sintonia com o primeiro. A natureza criara algo que me ofereceu a experiência da beleza mais pura. Quanto honrado eu não seria de colaborar com ela, criando algo de volta para deixar como legado?
                Em por volta de duzentos anos, provavelmente todas as pessoas que eu conheci e conhecerei em minha vida já terão falecido. Nessa escala, a importância de diversas coisas muda bastante. A questão do legado a deixar é o que toma forma mais patente. As coisas do dia a dia, desta distância, começam a parecer muito mundanas. Pensando nisso de uma posição que espero ser bem distante do meu fim mesmo, o que eu quero é que nesse último dia eu possa lograr o êxito de dizer com legitimidade: “deixei um mundo mais belo do que aquele que encontrei ao chegar”.